Transição energética: os caminhos para a sustentabilidade
Transição energética, energias renováveis, pegada de carbono e descarbonização são termos que ganham cada vez mais destaque. Mas, afinal, o que eles significam e como afetam a vida das pessoas e do planeta?
Imagine um dia comum. Você acorda e, ainda com as janelas fechadas, acende a luz. Vai à cozinha, liga o gás para fazer o café, coloca fatias de pão na torradeira e põe o celular para carregar. Toma banho e pega seu carro ou ônibus. Todas essas ações dependem de energia, que pode vir de diversas fontes.
A água do seu chuveiro, por exemplo, pode ser aquecida por gás, placas solares ou eletricidade. Se for eletricidade, a energia pode ter sido gerada pela força das águas nas hidrelétricas ou pela queima de gás natural, carvão, óleo ou diesel nas termelétricas. Os veículos podem ser movidos a gasolina, diesel, álcool, por eletricidade ou por sistemas híbridos.
Há várias formas de gerar energia, e cada uma delas tem um impacto. Elas podem emitir mais ou menos gases do efeito estufa, serem mais ou menos renováveis. A seguir você vai entender o que significam esses termos e o que eles têm a ver com transição energética.
O que é transição energética?
A transição energética é um processo que busca reduzir a predominância de combustíveis fósseis e finitos (como carvão mineral, petróleo e gás natural) e gradualmente substituí-los por fontes renováveis, como água, vento, sol, plantas, o movimento das ondas e marés, entre outras.
Essa substituição ajuda a cortar as emissões de gases de efeito estufa, como o gás carbônico, que está entre os que mais agravam as mudanças climáticas e o aquecimento do planeta. A redução das emissões do gás carbônico (também chamado de dióxido de carbono, ou CO2) e de outros gases do efeito estufa é chamada de descarbonização, pois diminui a pegada de carbono (um método criado para medir o impacto das atividades humanas no meio ambiente).
A transição energética, portanto, tem implicações em várias áreas:
- Mudanças climáticas: reduz as emissões de gases de efeito estufa e seus impactos.
- Desenvolvimento sustentável: colabora para um desenvolvimento econômico que não comprometa os recursos naturais para as futuras gerações.
- Inovação tecnológica: requer inovação para tornar as fontes renováveis mais acessíveis e competitivas.
“Transição energética não é só ter fontes renováveis, é usá-las. Como agregar isso na nossa economia e na nossa rede é algo que a gente tem que começar a pensar”, afirma Ana Carolina Ferreira da Silva, especialista do segmento de distribuição de energia e doutoranda pela Universidade Federal do ABC. Segundo ela, é necessária “uma política de estado para a gente conseguir absorver isso com o mínimo possível de impactos, independentemente de quem estiver no governo.”
Como está o Brasil nesse cenário?
A migração para fontes mais sustentáveis de energia traz desafios, mas também oportunidades. O Brasil tem um imenso potencial energético – favorecido por suas condições climáticas, com muito sol e vento, por seus recursos hídricos, pelo desenvolvimento de biocombustíveis e por sua extensa faixa litorânea.
O país ocupa um papel relevante no cenário global para cumprir a meta de triplicar a capacidade instalada de energia renovável do mundo até 2030, estabelecida durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP28, que reuniu mais 200 líderes de 171 países em dezembro de 2023, em Dubai (Emirados Árabes).
A matriz energética brasileira está entre as mais limpas do mundo. De toda a energia consumida pelo Brasil, quase metade (49,1%) vem de fontes renováveis — muito mais do que a média mundial (15%). O percentual é ainda maior quando se computa apenas energia elétrica, sem contar combustíveis (89,2%%, bem acima dos cerca de 30% da média global), de acordo com dados de 2023 do Balanço Energético Nacional, divulgado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
A série histórica mostra que houve um importante avanço na transição energética brasileira. Há dez anos, as diversas fontes renováveis representavam 39,7% de toda a energia gerada no país e 74,4% no setor elétrico. De lá para cá, só houve aumento. O último relatório, que compara 2022 e 2023, mostra:
- Crescimento de 68,1% na oferta de energia solar
- Aumento de 17,4% na eólica
- Incremento de 6,9% na biomassa
- Estabilidade na hidráulica (queda de 0,3%)
- Redução de 1,9% na geração por usinas termelétricas
A Empresa de Pesquisa Energética projeta que o consumo de energia no Brasil deverá crescer, em média, 2,1% ao ano até 2034, e esse é um dos desafios tanto para a produção como a distribuição. “A gente precisaria estar andando um pouquinho mais rápido para ganhar escala”, destaca Ana Carolina da Silva.
O caminho para acelerar, aponta a especialista, é modernizar a rede, investindo em sistemas inteligentes. “Se a geração distribuída está injetando muita energia e não há consumo, a rede inteligente consegue cortar essa carga, para não ter impactos, como uma sobrecarga”, explica.
Como o setor de transporte pode tornar o país mais “verde”
O Balanço Energético Nacional mostra que, para melhorar seu desempenho, o Brasil precisa caprichar na transição do setor de transportes – em 2023, apenas 22,5% da matriz energética nessa área veio de fontes renováveis. “Quando a economia cresce, precisamos transportar mais pessoas e mais bens. O consumo de energia (elétrica ou combustível líquido) aumenta. E, para descarbonizar esse consumo energético, a gente precisa pensar em várias soluções”, afirma Christian Wahnfried, especialista em combustíveis, emissões e requisitos na Bosch Brasil.
E quais soluções seriam essas?
- Aumento da eficiência energética: Isso vale para qualquer tipo de veículo. “Eficiência é consumir menos combustível para levar a um determinado lugar. Consumindo menos, emite menos gases do efeito estufa na atmosfera, independentemente do combustível”, diz Wahnfried. Na última década, programas governamentais como o Inovar-Auto, o Rota 2030 e mais recentemente o Mover deram benefícios fiscais para desenvolvimento e aplicação de tecnologias que elevem a eficiência energética e a descarbonização. “O veículo, do tanque até a roda, está ficando mais eficiente. Somado com o uso de biocombustíveis, a gente vem descarbonizando a mobilidade”, afirma.
- Biodiesel: O país está entre os maiores produtores mundiais desse combustível, obtido principalmente a partir do óleo de soja (lembrando que o Brasil é líder na produção desse grão). Desde 2008, a legislação estabeleceu uma série de marcos para aumentar a adição do biodiesel ao diesel fóssil. Não por acaso, entre 2022 e 2023 o consumo de biodiesel saltou 19,2%, segundo o Balanço Energético Nacional.
- Etanol: O Brasil é pioneiro nessa área, e revolucionou o segmento com o desenvolvimento dos motores flex – processo em que a Bosch teve participação essencial. Assim como acontece com o biodiesel, a obrigatoriedade de adicionar etanol à gasolina vem contribuindo para a redução do uso de combustíveis fósseis. Atualmente, a gasolina pode ter até 27,5% de etanol, mas discute-se no Congresso a possibilidade de elevar o percentual para 35%.
Mas, afinal, o etanol é mesmo mais sustentável que a gasolina? Sim. Por duas principais razões. Uma é o próprio ciclo do carbono: o CO2 emitido pelos automóveis é reabsorvido durante o crescimento da planta a partir da qual se gera o combustível (milho ou, mais comum no Brasil, cana-de-açúcar). Por isso, é considerado um combustível quase carbono zero. “O segundo aspecto, que poucas pessoas conhecem, é que, apesar de o carro a etanol consumir mais litros por quilômetro, a queima é mais eficiente, gerando 8% a menos de emissões”, diz Wahnfried, da Bosch. Um teste feito em 2023 pela Stellantis, união das montadoras Fiat Chrysler e PSA Grup, apontou que o etanol emite menos gases-estufa inclusive em comparação com os elétricos que rodam na Europa, onde a matriz energética ainda é muito dependente de termelétricas.
#ABoschResponde: como a gente contribui para a descarbonização na mobilidade?
Qual será o papel dos veículos elétricos?
Uma fonte renovável que vem ganhando força no setor de transportes é a eletricidade, com os veículos elétricos ou eletrificados.
- Elétricos - Têm 100% de sua propulsão baseada no motor elétrico; as baterias são sua fonte de energia.
- Eletrificados - Têm um motor a combustão auxiliando a tração elétrica ou um motor elétrico auxiliando a tração do motor a combustão.
A eletrificação, no Brasil, tem a vantagem de usar uma matriz em grande parte renovável (usinas hidrelétricas, eólicas ou solares). Mas esse não é o único benefício ambiental. “O veículo elétrico tem menos partes móveis e, por isso, menos perda térmica e menos emissão de ruídos”, sublinha Rodrigo Diniz, gerente de produto na Bosch Brasil.
A expansão desse segmento já pode ser vista nas ruas. Segundo dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), 122.548 veículos leves eletrificados foram emplacados de janeiro a setembro de 2024, 113% a mais que no mesmo período de 2023. A frota já está na casa dos 300 mil.
Segundo projeções da Anfavea, a venda de carros híbridos e elétricos novos pode ultrapassar a de veículos a combustão até o fim desta década e representar mais de 90% em 2040. No segmento de veículos pesados, as vendas podem chegar a 60% em 2040, e as versões elétricas em ônibus urbanos podem passar de 50% em 2035.
- Comerciais leves - Muitos varejistas já estão substituindo a frota por pequenas vans eletrificadas nas entregas, para levar seus produtos dos pontos de coleta até o consumidor, reduzindo as emissões e o custo – afinal, abastecer com energia elétrica é 80% mais barato que com combustíveis fósseis.
- Veículos comerciais pesados - Duas tecnologias já contribuem para reduzir as emissões nos caminhões. O eixo eletrificado ajuda na tração do caminhão e reduz consumo de diesel; o cavalo mecânico elétrico auxilia no transporte de um volume grande de mercadoria em trechos menores. “Ter caminhões elétricos para cobrir grandes distâncias está fora da realidade neste momento, e talvez leve muito tempo ainda”, afirma Diniz, fazendo referência à ainda escassa infraestrutura de recarga.
- Ônibus - Apesar da forte tendência de eletrificação, a frota brasileira é predominantemente a diesel. O maior obstáculo para a adoção da nova tecnologia é o alto custo para a atualização dos veículos e infraestrutura de recarga nas garagens.
O que falta para os veículos elétricos se disseminarem?
Os consumidores brasileiros estão preparados para os carros elétricos? Essa tecnologia ainda traz muitas dúvidas, por exemplo, em relação à duração da bateria e à infraestrutura de abastecimento. Para Diniz, a ampliação desses modelos é uma questão de tempo. Ele compara a adaptação à nova tecnologia com a chegada dos carros a combustão em grandes centros urbanos como Paris e Nova York, no início do século passado. “Falava-se que tinha grama em toda esquina para alimentar o cavalo que puxava a carruagem, mas não tinha postos de combustíveis. É mais ou menos a mesma coisa que está acontecendo hoje. À medida que a tecnologia vai sendo adotada, vai aumentando a infraestrutura.”
Uma pesquisa feita em maio pelo Boston Consulting Group (BCG) com 3 mil pessoas mostrou que 38% cogitam comprar um carro eletrificado. A economia com abastecimento é o principal chamariz. De fato, para rodar 300 quilômetros um motorista gasta de R$ 200 a R$ 250 em um veículo movido a combustão e de R$ 40 a R$ 50 em energia elétrica.
Por enquanto, a grande maioria (90%) dos automóveis elétricos são pequenos, voltados para rodar na cidade, onde podem ser carregados tanto em casa quanto no trabalho, destaca Diniz. Esse comportamento, avalia, por vezes cria outro efeito positivo: “Muitas pessoas que compram um carro elétrico para usar no trecho urbano investem em sistema de geração fotovoltaico em casa, para carregar o veículo sem custo.”
Apesar de o Brasil estar entre os 20 países com a melhor infraestrutura de recarga, ela ainda está concentrada em grandes centros urbanos do eixo Rio, São Paulo e Paraná. A tendência, porém, é que os investimentos aumentem com o crescimento da frota. Além disso, a tecnologia já desenvolveu uma possibilidade de driblar problemas de autonomia ou falta de estrutura de carregamento: são os carros híbridos plug-in, equipados tanto com motor a combustão quanto motor elétrico (podem ser abastecidos tanto na tomada como em postos tradicionais, com etanol e gasolina).
O que se vê no horizonte do cenário brasileiro de descarbonização nos transportes, avalia Rodrigo Diniz, é que veículos a combustão alimentados principalmente pelos biocombustíveis vão conviver com veículos elétricos ou eletrificados. “Ter um veículo movido a etanol tracionando um motor a combustão com auxílio do elétrico é o melhor dos mundos — ter energias renováveis junto com a eletrificação”, afirma Diniz, sobre os híbridos flex.
#ABoschResponde: como a gente tem contribuído para a transição energética no país?
Que outros combustíveis podem ajudar na transição energética?
A transição energética é um processo gradual. “O motor a combustão interna — usado em veículos a gasolina, etanol, flex, diesel e elétricos híbridos — não vai ser substituído de hoje para amanhã”, comenta Wahnfried. “Isso leva tempo, porque depende da renovação de frota.” Hoje, mais de 40% dos veículos que circulam pelo país têm mais de dez anos, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
Em um futuro bastante próximo, diz o especialista da Bosch, um novo biocombustível deverá assumir um papel importante em veículos pesados: o biometano, produzido a partir da purificação do biogás, muito parecido com o gás natural, mas que emite quase 90% menos de gases do efeito estufa. O potencial de produção brasileiro, segundo Wahnfried, é capaz de substituir todo o biodiesel usado no país.
Outra tecnologia que deverá impactar positivamente o setor é o hidrogênio. “A gente está trabalhando fortemente nisso, tanto para ser consumido em um motor a combustão quanto numa célula combustível, para veículos elétricos mais leves. Já falaram que o Brasil é a Arábia Saudita do hidrogênio verde”, afirma. Uma tecnologia que não traz benefícios apenas para a mobilidade, mas também para indústrias como as siderúrgicas e cimenteiras, que têm dificuldade na descarbonização.
Tecnologia para a vida
Embora ainda haja muito o que aprimorar no setor de transportes, o fato é que ele já vem fazendo a transição energética há muitos anos. A Bosch, por exemplo, há décadas trabalha em inovações para reduzir as emissões, tornando a mobilidade mais limpa, seja a partir de combustíveis tradicionais, seja investindo na eletrificação ou em novas fontes de energia, como o hidrogênio.
“Temos todas as cartas do baralho para apoiar a transição energética e contribuir com a tecnologia para vida, para que o processo de descarbonização ocorra de forma permanente, não só aqui no Brasil, mas no mundo todo”, afirma Diniz.
Veja a seguir algumas das inovações da empresa que contribuíram para moldar o futuro da mobilidade:
- Etanol - Em 1985, a Bosch desenvolveu sistema de injeção eletrônica, ignição eletrônica, bobinas, bombas de combustíveis e velas de ignição especialmente projetadas para o uso do etanol.
- Carros flex fuel - O desenvolvimento desse sistema, nos anos 1990, revolucionou o mercado, possibilitando o abastecimento com etanol ou gasolina em qualquer proporção.
- Flex Start - Um dos maiores problemas dos carros a álcool no início era a partida a frio. Esse novo sistema resolveu o aquecimento do combustível, eliminando a necessidade do reservatório de gasolina. Em 2012, houve mais um avanço, com o sistema de injeção direta flex para motor bicombustível.
- Elétricos - A Bosch tem um portfólio amplo para o segmento: componentes de interface com a rede elétrica para sistemas de carregamento, toda a eletrônica de potência do veículo, sistemas de propulsão completos (incluindo a transmissão) e o motor elétrico propriamente dito. Uma novidade apresentada pela empresa na CES 2024, em Las Vegas, foi o sistema de estacionamento autônomo para recarregamento da bateria.
- Hidrogênio - A empresa está investindo em tecnologias como a célula de combustível de hidrogênio e em componentes para um motor a hidrogênio que converte combustível diretamente em energia, sem ter que transformá-lo primeiro em eletricidade.